Esse texto resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), refletindo a opinião e as propostas dos mais variados setores da sociedade brasileira. Uma das conclusões é que o Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes. O artigo é de Ladislau Dowbor.
O Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Resistiu de forma impressionante à maior crise financeira desde 1929, e está apontando rumos baseados fundamentalmente no bom senso, e numa visão equilibrada dos interesses econômicos, das necessidades sociais, e dos imperativos ambientais. A visão econômica tradicional, presa às simplificações do Consenso de Washington, envelheceu de repente, e não corresponde aos desafios de uma sociedade moderna e complexa, que tem de buscar novas articulações de política econômica, social e ambiental.
Constatamos hoje que a presença de um forte setor estatal não é um estorvo, é um suporte fundamental. A regulação das finanças não implica burocratização, é uma proteção necessária contra a irresponsabilidade. Assegurar melhores salários e direitos aos trabalhadores não é demagogia, é a forma mais simples e direta de gerar demanda e uma conjuntura favorável. Apoiar os mais pobres da sociedade não é assistencialismo, é justiça, bom senso, e dinamiza a economia pela base. Investir nas regiões mais pobres não é um sacrifício, prepara novos equilíbrios ao gerar economias externas para futuros investimentos. Fazer políticas sociais não é um “bolo” que se divide, pois é o investimento na pessoa que mais gera dinâmicas econômicas, como já analisava Amartya Sen.
Apoiar movimentos sociais não é distribuir benesses, é dar instrumentos de trabalho a organizações que conhecem profundamente a realidade onde estão inseridas, e apresentam flexibilidade e eficiência nas suas áreas específicas. Fazer política ambiental não “atrasa” o progresso, pois muito mais empregos geram as alternativas energéticas e o apoio à policultura familiar, do que extrair petróleo e desmatar para buscar lucros de curto prazo. Manter uma sólida base de impostos, não é “tirar da população”, é assegurar contrapesos indispensáveis para o desenvolvimento equilibrado do país.
A constatação dos avanços não implica subestimação dos desafios. O contexto internacional continua instável, com boa parte dos desequilíbrios do sistema financeiro privado dos países desenvolvidos simplesmente transformada em desequilíbrios públicos, gerando deficits impressionantes. Os desafios sociais, em que pesem os grandes avanços dos últimos anos, continuam imensos, exigindo iniciativas mais abrangentes. O conjunto do sistema tributário ainda aguarda uma revisão em profundidade, buscando maior racionalidade e justiça na captação, e maior eficiência e redistribuição na alocação orçamentária. A modernização e o resgate da dimensão pública do Estado ainda aguardam uma reforma política cada vez mais premente.
As políticas ambientais precisam ser consolidadas e absorvidas na cultura tanto da administração pública, como das empresas e do comportamento do consumidor. De certa forma, os rumos tornaram-se mais claros, e a confiança da sociedade aumentou ao ver que os resultados os confirmam. Mas são etapas de uma construção que exige um constante repensar das estratégias.
Um eixo chave a se considerar, é o aproveitamento racional dos potenciais impressionantes que o país possui, e a sua conjugação com os novos desafios ambientais. Temos a maior reserva de solo agrícola parado do planeta, uma das maiores reservas de água doce, temos clima e mão de obra, isto numa época em que a pressão por alimentos e biocombustíveis aumenta por toda parte. E o Brasil hoje domina tecnologias de ponta nesta área. Tem uma matriz energética invejável numa época em que a mudança do paradigma energético-produtivo está se tornando peça chave da construção do futuro. Tem a médio prazo eventos internacionais que o projetam mais ainda no cenário mudial. A disponibilidade maior do petróleo abre novas perspetivas. Juntando estes e outros fatores, se o país conseguir evitar a tentação de mais um ciclo agro-exportador, ou o uso apressado dos novos recursos, e souber proteger o seu meio ambiente e aprofundar a construção de um novo equilíbrio social, a continuação do círculo virtuoso tem boas perspectivas. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes.
Não basta ter rumos, é preciso conseguir resultados. Imensa importância tem a lenta construção de formas mais democráticas de tomada de decisões. Frente ao peso político dos grandes grupos econômicos e das elites tradicionais a eles aliadas, o governo tem assegurado uma política de equilíbrios, buscando estimular a economia e assegurar as contrapartidas em termos sociais, e cada vez mais em termos ambientais. Os programas simplesmente funcionam, e funcionam porque são negociados, assegurando uma base razoável de apoio político. Mas também funcionam, no caso dos grandes programas sociais, porque no primeiro e segundo escalão técnico, que são as pessoas que carregam efetivamente o peso da gestão, estão pessoas que em geral vêm dos movimentos sociais, e conhecem efetivamente os problemas, sabem que tipo de parcerias têm de ser organizadas, entendem de mobilização em torno aos programas. Os movimentos sociais têm um papel vital nestes processos, e crescente no futuro. Com todas as dificuldades, gerou-se, entre os diversos setores, uma cultura da negociação, da pactuação, do respeito aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.
A visão desenhada no presente texto obedece a certas definições conceituais que se consideram adquiridas, e fazem parte do ideário básico que vem se cristalizando no país. Assim, antes de tudo, estaremos distinguindo o conceito de crescimento econômico, na visão estreita de dinamização do produto interno bruto, do conceito de desenvolvimento que envolve a progressão equilibrada nos planos econômico, social, ambiental e cultural. O conceito de sustentabilidade aqui utilizado, refere-se à sustentabilidade ambiental, na definição clássica do Relatório Brundtland, de resposta às necessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras. O conceito de desenvolvimento local ou regional não se refere a uma opção por uma unidade particular como o município, mas às complexas articulações territoriais que exigem os programas que, em última instância, exercem o seu impacto em espaços geográficos concretos. O conceito de planejamento não se refere a algum tipo de planejamento central autoritário, mas aos processos pactuados de definição de programas estruturais que permitem reforçar na gestão governamental a visão sistêmica que ultrapassa os cortes setoriais, e a visão de longo prazo que assegura a continuidade entre ciclos de gestão governamental. O conceito de governança é aqui utilizado no sentido amplo da gestão que envolve tanto a máquina governamental propriamente dita, como as articulações com o conjunto de atores sociais organizados que participam do processo decisório e impactam os rumos do desenvolvimento.
Não se trata aqui de elaborar um plano no sentido tradicional, que nos levaria a apresentar propostas para todos os setores, inclusive a política de esportes, a política florestal e assim por diante, com todos os projetos. O presente documento tem dimensões muito limitadas, e busca desenhar em grandes traços o novo referencial, tanto nacional como internacional, que incide sobre os rumos desta década. Na parte propositiva, e buscando capitalizar acúmulos anteriores, privilegiou-se os eixos de ação que podem ser considerados “estruturantes” pelo peso sistêmico nas mudanças que estão ocorrendo no país. Isto envolve tanto uma visão para o futuro, como no caso das políticas tecnológicas que estão adquirindo peso determinante no planeta, como a correção dos desequilíbrios herdados que pesam sobre o conjunto e precisam de correção acelerada, como a inclusão produtiva. Não haverá texto desta amplitude que recolha a unanimidade das visões, nem que responda a tantos interesses específicos. A lista de coisas a fazer é grande. O que se busca aqui é uma visão articulada dos principais eixos que ajudarão a dinamizar o conjunto.
O texto que segue resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no CDES, refletindo o amplo espectro de participantes, mas também os numerosos documentos, propostas e resoluções que têm sido discutidas com os mais variados setores da sociedade, além de consultas com especialistas das principais áreas de atividade. Há uma forte convergência no conjunto das visões, ainda que muita diversidade nas propostas. Recolhemos aqui as que nos pareceram mais contribuir para uma visão sistêmica coerente, e privilegiando a visão de conjunto. Buscamos também evitar a tentação de um texto que de tão geral e prudente, pouco significa.
Para efeitos de sistematização, e evitando um texto demasiado burocrático, dividimos a apresentação em duas partes
(respeitando essa divisão, a Carta Maior está publicando o texto em duas partes): a primeira trata do novo patamar de desenvolvimento que de certa forma constitui o referencial das mudanças ocorridas durante a última década, e aponta os ajustes necessários. A segunda se concentra na estratégia de desenvolvimento que permitirá ampliar as dinâmicas apresentadas na Agenda Nacional de Desenvolvimento anterior.
I – UM NOVO PATAMAR
1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
4 - Os resultados: bases para uma nova expansão
Não há dúvida que estão soprando bons ventos. Há um clima de confiança que está se generalizando. Aqui não há vencedores nem vencidos. A melhor imagem é a de uma boa maré, que levanta todos os barcos. Para além do detalhe das propostas para o país nos diversos setores, esta é a visão: um Brasil que se desenvolve, com a participação de todos, de maneira sustentável, e por meio de decisões democraticamente negociadas.
1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
A crise financeira internacional de 2008 marcou um divisor de águas. As grandes simplificações relativas à dicotomia entre Estado e mercado, com o seu peso ideológico, deram lugar a atitudes de bom senso, de pragmatismo de resultados, de busca de equilíbrios. De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo. Este pensar de maneira inovadora é hoje essencial. No plano internacional, a crise não desaparece. Um PIB mundial de 60 trilhões de dólares, e 860 trilhões de dólares em papéis emitidos, geram instabilidade. Os déficits do setor especulativo privado foram transformados em déficit público, perda de aposentadorias e desemprego, e tanto os Estados Unidos como a Europa têm pela frente a busca de novos mecanismos de equilíbrio. Não se configura um horizonte estável e equilibrado no planeta. Para o Brasil, a diversificação das relações externas, com ênfase no Sul-Sul e na integração latino-americana, deve continuar prioritária.
No plano financeiro, o patamar do Brasil é hoje radicalmente diferente. Com 35 bilhões de dólares de reservas em 2002, o país estava a mercê de ataques especulativos. Hoje, com 250 bilhões em reservas, credor e não mais devedor do FMI – fato que financeiramente não é essencial mas é importante em termos simbólicos - diversificação comercial, e melhor equilíbrio entre o mercado interno e externo, o país tornous-e uma referência internacional. A forma como se manobrou entre os escolhos da crise financeira de 2008, inclusive com multinacionais repatriando grandes volumes de recursos das filiais para salvar as suas matrizes, passou a ser vista no mundo como uma prova de que bom senso e pragmatismo rendem mais do que as simplificações ideológicas. Isto gerou confiança, que permite hoje ao Brasil inclusive fazer exigências aos capitais que entram. O sucesso gera sucesso.
No plano comercial, uma população mundial que aumenta em 70 milhões de habitantes por ano, com ampliação do consumo, além do reforço pela opção por biocombustíveis, devem manter a tendência para uma demanda forte por commodities. O Brasil, com a maior reserva mundial de solo agrícola parado, e 12% da reserva mundial de água doce, tem aqui trunfos excepcionalmente fortes. Mas deverá entrar cada vez mais em cena o problema da regulação internacional dos preços das commodities, hoje mais dependentes dos movimentos dos capitais especulativos do que propriamente do equilíbrio de oferta e demanda. Como exemplo, o comércio mundial de petróleo é de 85 milhões de barris por dia, e as trocas especulativas (papéis) diárias atingem 3.000 milhões de barris. O Brasil tem um forte papel a desempenhar na promoção de mecanismos de regulação nesta área.
Em termos geoeconômicos, a tendência é para um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia do Pacífico, com os fortes avanços da China e da Índia, que representam 40% da população mundial, e de demais países hoje muito dinâmicos como a Coréia do Sul e o Vietnã, ou simplesmente fortes como o Japão. Isto representa desafios estruturais para o Brasil. É de se lembrar aqui que enquanto os Estados Unidos realizaram a conexão ferroviária Atlântico-Pacífico em 1890, nós ainda sequer temos uma conexão adequada por rodovia. O deslocamento favorecerá tanto uma orientação mais integradora de infraestruturas na América Latina, como melhor equilíbrio de ocupação e uso do território no Brasil, ainda fortemente atlântico na demografia e na economia. O oeste, para nós, adquire nova importância.
Outro fator essencial do novo contexto internacional, é a crescente presença dos desafios ambientais no planeta. Enquanto a crise financeira internacional migrou dos bancos para os ministérios, e saiu das manchetes de jornais, a realidade da mudança climática, da liquidação da vida nos oceanos pela sobrepesca oceânica industrial, a destruição das matas (particularmente importantes no Brasil e na Indonésia), a erosão dos solos, a contaminação generalizada dos rios, dos lençóis freáticos e dos mares, geram preocupações que, independentemente dos resultados de Copenhague, exigem uma inclusão mais generalizada da visão da sustentabilidade ambiental em todas as decisões de políticas de desenvolvimento, tanto no setor público como no privado. O Brasil tem como se situar com vantagem neste plano, e deverá desempenhar um papel importante na Cúpula Mundial do Meio Ambiente de 2012 “Rio +20”.
No plano social, as preocupações são igualmente crescentes. Com a explosão especulativa na área dos grãos, a fome no mundo passou de 900 milhões para 1020 milhões de pessoas. De fome e outras causas absurdas morrem 10 milhões de crianças. A AIDS já matou 25 milhões de pessoas. O Banco Mundial estima em 4 bilhões o número de pessoas no mundo que estão “fora dos benefícios da globalização”. São situações insustentáveis. O equilíbrio social das políticas econômicas está adquirindo uma grande centralidade no planeta, e o Brasil, que mostrou durante os últimos anos a viabilidade de políticas que equilibram os objetivos econômicos e sociais, adquire aqui uma legitimidade excepcional.
No plano político, frente a uma economia que se globalizou em grande parte, estão começando apenas agora a se construir espaços de concertação internacional. Encerra-se, de certa maneira, a fase de monopólio de poder pelos Estados Unidos e de forma geral dos países desenvolvidos. Os BRICs começaram a ocupar o espaço político internacional, o G-20 começa a abrir um espaço regular de negociação, e o Brasil em particular assume uma forte presença internacional devida em grande parte ao modelo econômico, social e ambiental inovador e equilibrado que desenvolve, e que está simplesmente dando certo. O aprofundamento destas políticas, cuja tecnologia organizacional deu aqui grandes passos, deve marcar os próximos anos, e reforça o papel internacional do país.
Em termos de novo contexto internacional, a integração latino-americana está adquirindo um papel crescente. Esta política, é preciso dizê-lo, se caracterizou no passado mais pela criação de siglas do que de fatos, enquanto predominava a articulação de cada país com grupos particulares de interesses norte-americanos. Hoje constata-se avanços no plano das instituições, de mecanismos de financiamento, de infraestruturas (ainda incipientes), de codificação das migrações, da própria academia. O Brasil tem um papel fundamental a exercer por razões tanto do seu peso específico, como pelas inovações políticas que tem desenvolvido e por haver tantas coisas em comum em termos dos dramas sociais herdados. A América Latina está adquirindo identidade.
Um último ponto essencial decorre dos avanços tecnológicos, e em particular na área das tecnologias de informação e comunicação. O papel do acesso ao conhecimento, o barateamento das infraestruturas e dos equipamentos individuais, a generalização da conectividade planetária, a ampliação do acesso aos conhecimentos de todo o planeta, o surgimento de inúmeras atividades econômicas na chamada sociedade do conhecimento – todas estas mudanças estão se mostrando muito mais aceleradas do que previsto. Se no século passado os grandes embates políticos se davam em torno da propriedade dos meios de produção, na era da nova economia o acesso ao conhecimento e a definição dos seus marcos legais tornam-se questões centrais. No caso do Brasil, o salto para a economia do conhecimento pela generalização da banda larga e outras formas de acesso ao conhecimento abre importantes perspectivas de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. O desafio é cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos e o atraso educacional no plano interno, para ocupar o espaço correspondente no plano internacional.
No conjunto, o Brasil desempanha hoje na cena internacional um forte papel como parceiro adulto, portador não só da sua força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas e de bom senso no enfrentamento dos principais desafios sociais e ambientais, e de solidariedade com países em dificuldades. A confiabilidade e o respeito angariados não só ampliam o espaço de manobra do país, como se refletem fortemente, como se notou no caso da aprovação da Copa e das Olimpíadas, no sentimento de confiança em si no conjunto da população. Neste plano, o país parte realmente de outro patamar.
2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
O Brasil optou pelo enfrentamento da desigualdade como seu eixo estratégico principal. A materialização da estratégia se deu através da ampliação do consumo de massa. A visão enfrentou fortes resistências no início, mas os efeitos multiplicadores foram-se verificando no próprio processo de ampliação das políticas. Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum.
Os avanços sociais sempre foram apresentados no Brasil como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos e pelo aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados.
É importante lembrar que faz todo sentido, para uma empresa individual, achar que com menos direitos sociais ou menores salários poderia reduzir os seus custos, tornando-se inclusive mais competitiva relativamente aos seus concorrentes. Mas a aplicação desta visão ao conjunto das empresas resulta em estagnação para todos. Em termos práticos, o que faz sentido no plano microeconômico, torna-se assim um entrave em termos mais amplos, no plano macroeconômico. As políticas redistributivas aplicadas de forma generalizada, atingindo portanto o conjunto das unidades empresariais, geram também mercados mais amplos para todos, reduzindo custos unitários de produção pelas economias de escala, o que por sua vez permite a expansão do consumo de massa, criando gradualmente um círculo virtuoso de crescimento. Se sustentada por mais tempo, esta política passa a pressionar a capacidade produtiva, estimulando investimentos, que por sua vez geram mais empregos e maior consumo. A expansão simultânea da demanda e da capacidade produtiva promove desenvolvimento sem as pressões inflacionárias de surtos distributivos momentáneos. A espiral de crescimento passa a ser equilbrada. E a verdade é que os setores que estagnam em termos salariais e de direitos sociais, também tendem a se acomodar em termos de inovação em geral.
Esta compreensão dificilmente se generaliza com explanações teóricas apenas. No entanto, a constatação de que funciona quando aplicada de maneira sustentada, e que viabiliza os negócios de cada um, convence muita gente, que vê os resultados práticos. De certa forma, o Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo.
Uma segunda mudança, também ditada pelo bom senso, encontra-se na ampliação das políticas sociais em geral, envolvendo a educação, a saúde, a formação profissional, o acesso à cultura e à internet, à habitação mais digna. Aqui também está se invertendo uma visão tradicional. A herança teórica, das simplificações neoliberais, é de que quem produz bens e serviços, portanto o setor produtivo privado, gera riqueza. Ao pagar impostos sobre o produto gerado, viabiliza as políticas sociais, que representariam um custo. Deveríamos portanto, nesta visão, maximizar os interesses dos produtores, o setor privado, e moderar as dimensões do Estado, o gastador. A realidade é diferente. Quando uma empresa contrata um jóvem engenheiro de 25 anos, recebe uma pessoa formada, e que representa um ativo formidável, que custou anos de cuidados, de formação, de acesso à cultura geral, de sacrifícios familiares, de uso de infraestruturas públicas as mais diversas, de aproveitamento do nível tecnológico geral desenvolvido na sociedade. As políticas sociais não constituem custos, são investimentos nas pessoas. E com a atual evolução para uma sociedade cada vez mais intensiva em conhecimento, investir nas pessoas é o que mais rende. A compreensão de que os processos produtivos de bens e serviços e as políticas sociais em geral são como a mão e a luva no conjunto da dinâmica do desenvolvimento, um financiando o outro, sendo todos ao mesmo tempo custo e produto, aponta para uma visão equilibrada e renovada das dinâmicas econômicas.
Um terceiro elemento chave é a política ambiental. A visão tradicional amplamente disseminada apresenta as exigências da sustentabilidade como um freio à economia, impecilho aos investimentos, entrave aos empregos, fator de custos empresariais mais elevados. Trata-se aqui simplesmente de uma conta errada, e amplamente discutida já em nível internacional, com a refutação do argumento da externalidade. Fazer o pre-tratamento de emissões na empresa, quando os resíduos estão concentrados, é muito mais barato do que arcar depois com rios e lençóis freáticos poluídos, doenças respiratórias e perda de qualidade de vida. Para a empresa ou uma administração local, sai realmente mais barato jogar os dejetos no rio, mas o custo para a sociedade é incomparavelmente mais elevado. Desmatar a Amazônia gera emprego durante um tempo, mas não o mantém, a não ser com a progressão absurda da destruição. Aprofundar os investimentos em saneamento básico, em contrapartida, gera empregos, reduz custos de saúde, e aumenta a produtividade sistêmica. Investir em tecnologias limpas tende a promover os setores que serão mais dinâmicos no futuro e melhora a nossa competitividade internacional. E ao tratar de maneira sustentável os nossos recursos naturais, capitaliza-se o país para as gerações futuras, em vez de descapitalizá-lo. Fator igualmente importante, na economia global moderna uma política coerente em termos ambientais gera credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que por sua vez abre mercados. A verdade é que a política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura, e se incorpora na nova política econômica que se desenhou no país.
Um quarto eixo de política econômica encontra-se no resgate da capacidade de planejamento das infraestruturas do país. Boas infraestruturas, ao baratearem o acesso ao transporte, comunicações, energia, água e saneamento, geram economias externas para todos e elevam a produtividade sistêmica do território. O custo tonelada/quilómetro do transporte de mercadorias no Brasil é proibitivo, pois transportar soja e outros produtos de relação peso/valor relativamente baixo, em grandes distâncias, por caminhão, gera sobrecustos para todos os produtores. O resgate do transporte ferroviário, a reconstituição da capacidade de estaleiros navais e de transporte de cabotagem, a priorização do transporte coletivo nas metrópoles, o barateamento do acesso a serviços de telecomunicações e de internet banda larga, a busca da produtividade na distribuição e uso de água e em particular no destino dos esgotos, o reforço das fontes renováveis na matriz energética, conformam uma visão que pode abrir um imenso caminho de avanço para o conjunto das atividades econômicas. O planejamento e a forte presença do Estado são aqui essenciais. As infraestruturas constituem grandes redes que articulam o território. Constituem neste sentido um dos principais vetores de redução dos desequilíbrios regionais do país Precisam, por exemplo, ser ampliadas nas regiões mais pobres, para dinamizar e atrair novas atividades, e são políticas públicas que podem arcar com este tipo de investimentos de longo prazo justamente nas regiões onde não geram lucros imediatos. Isto envolve planejamento, visão sistêmica e de longo prazo. As metrópoles brasileira estão se paralizando por excesso de meios de transporte e insuficiência de planejamento. O resgate desta visão, e a dinamização de investimentos coerentes com as necessidades do território, constituem um trunfo para o desenvolvimento, e deverão desempenhar um papel essencial nesta decada.
Assim, políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, a ampliação dos investimentos nas pessoas através das políticas sociais focalizadas, a gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental no conjunto dos processos decisórios de impacto econômico, e a dinâmica de investimentos de infraestruturas que tanto reduzem o custo Brasil através das economias externas como melhoram a competitividade internacional, conformam um modelo que, em clima democrático e de paz social, está abrindo novos caminhos. Ter um modelo que não apenas faz sentido teórico, mas funciona, e convence grande parte dos atores econômicos e sociais do país, é um trunfo importante.
3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
Um dos pontos mais fortes da ampliação das perspectivas de desenvolvimento está na estabilização de um modelo de gestão macroeconômica. Neste plano também estamos frente a um novo patamar. Trata-se aqui do equilíbrio nas políticas de salários, de preços, de crédito, de câmbio, de previdência, de investimentos e de arrecadação. Tecnicamente complexa, e foco de pressões constantes, a política macroeconômica no Brasil obedecia a uma visão neoliberal sofisticada em termos teóricos, mas que resultava ao fim e ao cabo em baixo crescimento e injustiça social, sempre com tom de seriedade e austeridade. A contenção salarial e os altos juros seriam justificados como instrumentos de proteção do povo contra a inflação. Esta área da economia sofre de um pecado original: poucas pessoas a entendem, e encontra-se portanto pouco sujeita a escrutínio democrático. E o passado inflacionário deixou marcas no inconsciente coletivo.
Em termos resumidos, a política adotada pode se resumir na expansão da economia pela inclusão progressiva da base da pirâmide social, o que aumenta a demanda agregada, o que por sua vez gera emprego, investimentos e maior demanda, levando o conjunto a uma espiral virtuosa de desenvolvimento. O nó da política macroeconômica está no equilíbrio das diferentes variáveis, tanto em termos de montantes como de ritmo. A política adotada caracterizou-se por uma grande flexibilidade e rapidez de resposta às mudanças das tendências nacionais e internacionais, uma boa dose de pragmatismo, e a busca de equilíbrios entre os interesses envolvidos.
Em termos práticos, a fase inicial, de 2003 a 2005, caracterizou-se por reajustes macroeconômicos ortodoxos, visando tranquilizar os agentes econômicos quanto à estabilidade das regras do jogo, cumprimento dos compromissos financeiros, contenção das pressões inflacionárias. Paralelamente, iam se construindo os instrumentos de gestão das políticas sociais, que têm como recurso escasso não o dinheiro, mas a capacidade administrativa, que se desenvolve mais lentamente. As minireformas tributária e previdenciária permitiram por sua vez estabilizar as contas. O bom preço das commodities e a diversificação dos acordos comerciais permitiram a redução da vulnerabilidade externa.
A segunda fase, de 2006 a 2008, já se caracteriza pela articulação das políticas em torno a uma dinâmica acelerada de crescimento pela inclusão, lançando as bases das dinâmicas atuais. O cadastro unificado das famílias pobres, a unificação dos programas sociais no Bolsa Família, a forte progressão do salário mínimo (que envolve também o aumento das aposentadorias), o apoio à agricultura familiar (Pronaf), a expansão do crédito (crédito consignado, financiamentos do BNDES e de outros bancos do Estado), a gradual expansão dos investimentos, geraram uma dinâmica de consumo na base da sociedade, e um reforço de investimentos no setor privado. O resultado foi uma forte expansão do emprego formal, com mais demanda. Em outros termos, o Estado assumia a sua função de indutor do desenvolvimento. A maior demanda não gerou inflação, na medida em que a capacidade ociosa do aparelho produtivo permitiu rápida expansão da oferta. A expansão do gasto público foi coberta pela maior arrecadação que resultou do crescimento econômico (passou de 5% em 2008) e da maior formalização da economia, permitindo tanto manter os compromissos com a dívida como expandir as políticas sociais.
A fase da crise financeira de 2008 submeteu esta política a dura prova. A amplitude da crise e o pânico internacional gerado provocaram no país o travamento do crédito, a suspensão dos investimentos privados, a transferência de recursos das filiais brasileiras de grupos estrangeiros para para salvar as matrizes (35 bilhões de dólares só em 2008), e um clima geral de insegurança. Diante da queda da arrecadação do Estado, a visão ortodoxa seria de contenção dos gastos do governo, com um ajuste fiscal contracionista. Com a visão desenvolvimentista já estabilizada na etapa imediatamente anterior, o governo optou por um conjunto de medidas anticíclicas, respondendo de forma rápida e diversificada aos diversos desequilíbrios à medida que se manifestavam. Manteve a expansão do salário mínimo (12% em 2009) gerando expectativa positiva no mercado; assegurou desonerações tributárias e incentivos nos setores críticos; utilizou as reservas cambiais para o financiamento das exportações (o financiamento externo havia estancado totalmente); reduziu o compulsório (que aliás os bancos comerciais utilizaram para comprar títulos do governo, em vez de fomentar a economia); reduziu o financiamento da dívida para priorizar o apoio às atividades produtivas; utilizou os bancos estatais para estimular a economia através de um amplo espectro de linhas de crédito; as alíquotas do imposto de renda foram subdivididas ao se constatar o aperto da crise nos setores da classe média baixa. Os programas sociais não só não foram reduzidos, como expandidos, e a dinamização da construção no programa Minha Casa Minha Vida passou a gerar atividades e empregos de forma muito capilar no conjunto da economia.
Os prognósticos sombrios apontados na época não se materializaram. O que se concretizou, é a visão de uma política macroeconômica multifacetada, pragmática, e orientada pelo equilíbrio dos interesses, e sobretudo pela compreensão de que uma base mais ampla de mercado interno ajuda todos os setores, inclusive o setor exportador, que teve como compensar a redução dos mercados extenos com o consumo interno. E sedimentou-se a idéia de que um Estado atuante é simplesmente necessário. Hoje o país passa a enfrentar os desafios estruturais sabendo que a capacidade de gestão macroeconômica passou as provas, e para o setor privado que precisa estar tranquilo quanto às regras do jogo, isto representa un novo patamar.
Independentemente da crise financeira, um outro vetor de política econômica foi se construindo e está se tornando central, que são os grandes investimentos de infraestrutura tão longamente adiados. O Programa de Aceleração do Crescimento, o Programa de Desenvolvimento Produtivo, a expansão dos investimentos da Petrobrás, o PAC II, e também o Plano de Desenvolvimento da Educação, os planos de generalização de acesso à banda larga, de ordenamento do uso da água e numerosos outros estão ao mesmo tempo dinamizando os investimentos e mantendo a conjuntura elevada, o que facilita todos os ajustes, e introduzindo nos mais diversos setores uma visão estrutural, sistêmica, com resgate de mecanismos de planejamento e de longo prazo. Isto tensiona a capacidade gestora do Estado, que já não desempenhava tais atividades, e coloca novos desafios de modernização administrativa.
Se há uma visão teórica a resgatar, é que os equilíbrios macroeconômicos são dinâmicos, que é possível gerar maior demanda sem excessiva pressão inflacionária, aumentar o fomento do Estado sem gerar déficit irresponsável, encontrar um novo equilíbrio entre mercado inerno e mercado externo sem dramas cambiais, que é possivel colocar condições à entrada de capitais especulativos sem ser declarado “controlador” pelo mercado especulativo internacional e assim por diante. Sobretudo, é possível reduzir os desequilíbrios sociais e regionais sem prejudicar os setores mais abastados e as regiões mais ricas, ao assegurar que todos se beneficiam, mas os de baixo em ritmo mais acelerado. O bom senso funciona. Não só a boa maré levanta todos os barcos, como o Estado pode ser providencial em assegurar que a maré se mantenha.
4 - Os resultados: bases para uma nova expansão
Os resultados são hoje concretos e bastante evidentes. Em números redondos, o nível de emprego formal aumentou em 12 milhões desde 2002. A formalização gera melhor arrecadação, o que financia boa parte da política de apoio. O salário mínimo teve um aumento de capacidade real de compra de 53,67% no período
(1), o que atinge cerca de 26 milhões de pessoas. O aumento do salário mínimo também aumenta a capacidade de negociação dos trabalhadores. Indiretamente favorecidos com este aumento são os aposentados, cerca de 18 milhões de pessoas. O Bolsa-Familia atinge hoje 12,4 milhões de familias, melhorando, como ordem de grandeza, as condições de vida de 48 milhões de pessoas. Em boa parte isto significa crianças alimentadas, e seguramente menos angústias nas famílias de baixa renda. Entre 2003 e 2008 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza
(2). O Pronaf teve os seus recursos aumentados de 2,5 bilhões de reais em 2002 para 13 bilhões em 2009, dinamizando a a produção de cerca de 2 milhões de produtores rurais. O programa Territórios da Cidadania, está aplicando cerca de 20 bilhões de reais nas regiões mais atrasadas do país. O programa Luz para Todos está atingindo milhões de pessoas que não tinham como guardar uma comida ou um remédio de maneira conveniente. O Prouni, passando já de meio milhão de estudantes, também mostrou resultados impressionantes quando se avaliou o seu desempenho no conjunto das universidades, refutando o argumento do nivelamento por baixo.
A visão do assistencialismo simplesmente não representa a realidade. O bolsa família é o único que constitui simples transferência de recursos, e constitui uma parcela relativamente bastante pequena do conjunto. Ainda assim, vinculado ao seguimento de saúde e frequência escolar, enquadra-se no investimento social
(3). A renda na base da sociedade gera consumo imediato, tanto de bens de consumo básicos que melhoram a alimentação a higiene, como o pequeno investimento familiar que pode ser constatado em cada “puxada” nas casas modestas, dinamizando a produção de materiais de construção e de equipamento doméstico básico. A realidade é que o efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade. E em termos de qualidade de vida, cada real disponibilizado pra as famílias mais pobres gera uma melhora incomparavelmente superior do que nos grupos mais ricos. A produtividade social do dinheiro, a sua utilidade real, cai rapidamente à medida que o nível de renda se eleva.
O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últmos anos. O índice Gini caiu de 0,53 para 0,49
(4). Para efeitos de comparação, é de 0,46 nos Estados Unidos, 0,33 na Itália e 0,26 na Alemanha
(5). A persistente desigualdade está ligada ao fato que a renda de todos se eleva no Brasil, e de maneira mais acelerada entre os pobres do que entre os ricos. Mas como o ponto de partida é muito baixo para os pobres, mesmo um percentual elevado representa mudanças pequenas em termos absolutos. Em termos regionais, verifica-se também um crescimento muito mais acelerado no Nordeste e outras regiões mais pobres, mas aqui também a desigualdade se reduz de maneira lenta.
Um ponto central, e relativamente pouco apontado, é que se desfazem gradualmente os preconceitos que tanto alimentaram a oposição aos programas destinados à base da pirâmide social. Longe de se “encostar”, os pobres estão demonstrando uma impressionante capacidade de aproveitamento positivo dos recursos. São pobres não por falta de iniciativa ou de criatividade, mas por falta de oportunidade. E na verdade a propensão a “se encostar” se manifesta democraticamente em diversos níveis sociais.
A organização de políticas destinadas à faixa mais pobre da população tem como obstáculo principal não a falta de recursos, mas a dificuldade de gestão de um sistema de apoio extremamente capilar, destinado a pessoas que frequentemente não têm endereço postal, CPF, conta em banco, ou até certidão de nascimento. De certa forma, o Estado não existia para estes 25% da população do país. Construir os cadastros, os canais de comunicação e os mecanismos de gestão desta parte da população exigiu um imenso esforço administrativo ainda em curso. Assim, um impacto indireto das políticas de inclusão foi a geração de correias de transmissão entre a máquina do Estado, os poderes públicos locais, os movimentos sociais, e em última instância as famílias. O aprendizado organizacional do Bolsa-Família, do Pronaf expandido, dos comités de gestão do programa Territórios da Cidadania, das inúmeras conferências nacionais e regionais realizadas, criaram formas mais densas de interação entre o Estado e a sociedade, vetor de melhores práticas administrativas para o futuro.
Nesta lenta transição para um Brasil economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável, os avanços são indiscutíveis, mas o passivo social herdado de séculos de desequilíbrios é grande. O país continua a ostentar uma desigualdade dramática (6). O desmatamento da Amazônia se reduziu de 28 para 7 mil quilômetros quadrados ao ano, o que é uma grande vitória, mas ainda é um desastre. As periferias metropolitanas continuam sendo explosivas e necessitam de políticas de apoio radicalmente mais amplas. Os atrasos na qualidade da educação, no acesso a uma saúde mais decente, na generalização de políticas ambientais, na democratização do acesso ao crédito, fazem parte dos inúmeros os desafios. No geral, o país tem pela frente tanto o aprofundamento das políticas inclusivas, como a adequação da máquina do Estado e dos processos decisórios da sociedade em geral. A direção a seguir é hoje muito mais clara, os instrumentos básicos de gestão começaram a ser estruturados. Os resultados obtidos e a experiência adquirida abrem uma nova agenda, com novos desafios.
Continua: Na 2ª parte, "Eixos Estratégicos para a Agenda Nacional de Desenvolvimento"
NOTAS
(*) O presente documento sistematiza um conjunto de visões recolhidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no quadro da preparação de uma Agenda Brasil, para a década que se inicia. Deve ser visto como insumo à discussão. Seria inócuo buscar unanimidade. Buscou-se sim a coerência do conjunto.
(1) DIEESE – Mercado de Trabalho Brasileiro: evolução recente e desafios, DIEESE, 10 de março de 2010 - http://www.dieese.org.br/ped/mercadoTrabalhoEvolucaoDesafiostexto2010.pdf
(2) Marcelo Neri, Instituto Brasileiro de Economia da FGV, informe Ensp, 26 de março 2010 http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/index.php?origem=3&matid=20887
(3) Ver artigo de primeira página da Folha de São Paulo de 18 de abril de 2010, p. A13 – “Foi uma pequena grande década,” diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio. “E a melhora na renda hoje é muito mais sustentável, pois está apoiada mais na renda do trabalho”. Na média da década, a renda do trabalho explicaria 67% da redução da desigualdade. O Bolsa Família, cerca de 17%; os gastos previdenciàrios, 15,7%. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais”.
(4) Ipea – Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano – Comunicado da Presidência n. 25, p. 3 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/comunicado_da_presidencia_n25_2.pdf
(5) Ipea – Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas – 12 de janeiro de 2010, p. 9 Comunicado da Presidência n. 38 - http://www.ipea.gov.br/default.jsp
(6) O artigo mencionado de Maracelo Neri comenta: “O Brasil tem hoje 30 milhões de miseráveis sobrevivendo com R$ 137 ao mês. Mas eles seriam mais de 50 milhões se a velocidade da diminuição da pobreza não tivesse se acelerado nos últimos anos”. FSP, 18/04/2010, p. A13
(*) Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”. Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site
http://dowbor.org – Contato ladislau@dowbor.org
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